Ontem fui assistir "Pedras, Sonhos e Nuvens", peça realizada pelo grupo 'Revolução Teatral', equipe de Santo André (SP), uma das principais influências da Fábrica do Teatro Oprimido Londrinense.
A principio me pareceu mais uma encenação sobre um dos temas mais folclóricos do Brasil: Os Retirantes e o êxodo rural. Nossa cultura é especialista nesse tema, várias vertentes já a abordaram de forma magistral, o que deixa o tema de certa forma difícil de ser retratado com originalidade. Posteriormente descobri que a principal influência da peça não foi Vidas Secas de Graciliano Ramos, nada de Guimarães Rosa, não foi 'Os Retirantes' de Candido Portinari e muito menos 'Deus o Diabo na terra do Sol' de Glauber Rocha. Tudo surgiu de um fator verídico, vivenciado pela mãe de uma das atrizes participantes. A bagagem histórica foi complementada com outro importante dado vivido pela filha da mãe retirante: a necessidade de levar sempre sua irmã caçula aos ensaios, transferindo a responsabilidade materna e acumulando funções extras à filha. Isso exemplifica bem um dos aspectos da realidade retratada na obra: o conservadorismo em detrimento a sociedade em mutação constante.
Além dessa dificuldade de relacionamento entre mãe e filha, a obra reflete sobre outros empecilhos clássicos e contemporâneos: gravidez na adolescência, machismo, preconceitos, massificação e maus tratos com as camadas menos favorecidas. Enfim, uma montagem bem audaciosa e corajosa.
O teatro do oprimido tem como uma das suas principais características tornar acessível a qualquer cidadão a linguagem teatral, pois essa é uma forma da arte auxiliar as transformações sociais e mostrar sua força, indignação e engajamento. Nele, mesmo de forma amadora, os atores e o público sempre dialogam, o espectador é transformado em ator e isso se torna vital para o decorrer da peça. É nesse ponto que "Pedras, Sonhos e Nuvens" peca. Não sou lá grande especialista, mas ao meu ver, a encenação é muito moderna; foge um pouco da proposta de Augusto Boal. Mescla dança amadora com teatro mudo, mas possui uma pitada de falas. Esse experimentalismo de várias linguagens não é uma boa forma de o grande público compreender o que será exibido. Pretencionismo estético não é algo inserido no dicionário do Teatro do Oprimido. Nesse tipo de argumento, a linguagem precisa ser a mais direta possível, pode sim contar com cenas subjetivas, porém não muito presunçosas.
A peça teve alguns problemas técnicos, o que no final das contas não atrapalhou muito. Uma cena que merece destaque é a forma como foi mostrada à viagem Nordeste - São Paulo. Um caminhão humano; peripécias circenses e muito bom humor com a motorista canastrona que dirigia pela estrada precária. Outro grande destaque foi a inserção de 'The Great Gig On The Sky' do Pink Floyd em um ambiente pobre e seco.
Quando o sistema coringa (mediador entre público e atores) já estava no palco, um ato me chamou a atenção. Uma das atrizes disse que "Dança não põe comida na mesa". Logo atrás de mim, um dançarino profissional ficou indignado com tal declaração, claro que ele sabia que a obra é fictícia e a atriz apenas disse isso para provocar e facilitar o debate, mas mesmo assim foi interessante ver a reação do artista. Posteriormente perguntei a um outro dançarino se hoje é possível viver de dança no Brasil. "Sim", ele respondeu. É possível viver de dança no Brasil, assim como o teatro do oprimido passados quase 40 anos de sua criação ainda conta com muito fôlego. Enfim entendi o que Chico Science quer dizer em "Etnia": "É o povo na arte, é arte no povo/ E não o povo na arte, de quem faz arte com o povo."
"Pedras, Sonhos e Nuvens", exibida no dia 15/11/2007 na IV Mostra de Teatro do Oprimido de Londrina.
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