sexta-feira, 5 de março de 2010

A ÍNTIMA FOME DE GREVE DE ROSE

A prisão injusta e a impossibilidade de produzir seu alimento foram as principais motivações da militante
Eduardo Sales de Lima
enviado a Avaí

A greve começou na terça-feira, 2 de fevereiro, à noite, e perdurou até o final de semana, entre os dias 7 e 8. Poucos sabiam: somente uma ou duas pessoas que a visitavam com mais frequência. Na sexta-feita, 6, a militante foi levada da Cadeia Feminina de Avaí a um hospital, em Bauru (SP), quase desfalecida.
No hospital, foi alimentada por meio de soro. O médico que a atendeu revelou que, por causa da prisão, ela estava com problemas psicossomáticos. Mal sabia ele sobre a decisão política, íntima, da militante, que já havia começado uma greve de fome dias antes.
Formada em Pedagogia, Rosimeire Pan D'Arco de Almeida Serpa, apontada pela polícia como uma das principais líderes da ocupação da fazenda grilada pela Cutrale, ficou todos os 16 dias detida numa cela separada das outras presas. Um cotidiano de leituras não a fez fugir da realidade, pelo contrário. Foi justamente enquanto lia o Relatório de Direitos Humanos de 2009, elaborado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, mais especificamente um artigo que homenageava um menino atropelado e morto por um trator na cidade de Maceió, num lixão, que Rosimeire teve o seu primeiro acesso de falta de apetite.


Decisão

À sua consciência, vinha a imagem da criança morta no lixão e, ao seu lado, quase todos os dias, duas crianças da cidade de Avaí pediam um marmitex aos carcereiros na porta da prisão. “Elas falavam assim: 'Carcelheiro, tem marmita?', relatou Rose, como é conhecida, à reportagem do Brasil de Fato, que pôde conversar com a militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e vereadora pelo Partido dos Trabalhadores (PT) enquanto ela permanecia detida. As crianças famintas de Avaí lhe faziam crescer a falta de apetite.
No entanto, ela começou compreender que a falta de apetite não era simplesmente fisiológica. Havia um forte componente político nesse contexto. O pedido de prisão preventiva para todos os presos (que estavam até então, na prisão temporária) a motivou, preponderantemente, para assumir, no seu íntimo, uma greve de fome. Pesou, preponderantemente, o fato de estar presa e não poder estar produzindo seu próprio alimento, junto de seus três filhos e do marido, Miguel Serpa, também detido.
Somada à experiência de não comer nada durante os dias em que esteve detida, Rose conta que alguns carcereiros fizeram questão de provocá-la, referindo-se pejorativamente a suas atitudes como militante social e socialista. Isso mexeu bastante com a militante.

Misturada


Durante todo o tempo de reclusão, Rose testemunhou o atendimento médico às outras presas da cadeia numa sala que dá de frente para sua cela. Desorganizada, à semelhança de um almoxarifado bagunçado, duas vezes por semana um médico atendia as detentas. “A maior parte pede remédios para dormir”, lembrou Rose.
A relação da vereadora de Iaras com as presas, nos primeiros dias, não era das melhores. Elas a questionavam o porquê dela estar sozinha numa cela. Rose chegou e escrever uma carta para o diretor da cadeia pedindo que a transferisse para junto das outras 93 mulheres. A cadeia tem lotação máxima de 40 presas.
Com o passar dos dias, ao conhecerem o motivo da prisão de Rose, as presas mostraram apoio e solidariedade. Uma mulher do Piauí até criticou o latifúndio, e “disse que admira os sem-terra de seu estado, porque são valentes”, recorda.
Pelo menos por uma hora por dia era possível dialogar com as outras detidas, tanto que perceberam o abatimento da companheira. Mas nenhuma delas imaginava que a vereadora tinha optado em fazer uma greve de fome.
Em meio a todo turbilhão político pelo qual está passando, Rose lembrou que, mesmo dentro da cadeia, é necessário haver justiça social. Ela contou que as presas montam tomadas e ganham R$ 5 por mês. Cada mês trabalhado significa um dia a menos no cumprimento da pena. Ela não disse, mas é provável que tal exploração também tenha aumentado sua falta de apetite.


Fonte: http://www.brasildefato.com.br/

Um comentário:

Cassiano disse...

enquanto os jornais olham pra fora, a mesma coisa acontece aqui!