sexta-feira, 2 de maio de 2008

40 Anos

Algumas semanas atrás, o atual presidente francês Nicolas Sarkozy disse que era preciso 'enterrar o maio de 68'. Hoje a tendência geral é a de denegrir o ano. Senti isso na entrevista com Zuenir Ventura, no Roda Viva (21/04/08). É o mecanismo que Roland Barthes descobriu no mito. Barthes definiu o mito como um sistema lingüístico de créditos, no qual uma afirmação encontra garantia sempre num nível diverso daquele que foi feita. Completam-se agora 40 anos do mês mais fecundo e diligente do século passado. Um dos grandes questionamentos de historiadores e intelectuais hoje, é de avaliar qual foi o ano mais decisivo do século XX: 1989 ou 1968? Para mim, 68 foi o ápice de tudo. Por estar circunscrito numa década transgressora, os ecos desse ano que Zuenir intitulou como "o ano que não terminou" repercutirão por toda a eternidade póstuma. A pergunta de muitos que não vivenciaram ou não se interessam pelo assunto é: o que foi 68? “... Primavera de Praga, apogeu da Guerra do Vietnã, assassinato de Martin Luther King, morte de Kennedy, Costa e Silva decreta o AI-5, passeata dos cem mil, greve geral Francesa, entre outros acontecimentos."
Não cabe a mim responder qual foi o ano mais "importante", mas de uma coisa é certa; isoladamente, o maio de 68 é o mês mais ativo de todo o contexto. O nível de pensamento subversivo francês cresceu de uma forma que, vários e vários tabus foram quebrados em apenas 30 dias. Em quase 1000 anos de existência, o único período que a Sorbonne (Universidade de Paris) fechou por motivos internos, foi em 68 por conta do movimento estudantil. O filósofo marxista Herbert Marcuse afirmou que a revolução seria feita doravante pelos estudantes e outros grupos não assimilados pela sociedade de consumo conservadora. Sergei Eisenstein cometeu um equívoco ideológico grosseiro em seus filmes. Para o cineasta soviético, a revolução era um ato coletivo. Grande engano, a sublevação é algo individual, no entanto, se existe uma insurreição política que agrupou todas as camadas, foi à francesa do maio de 68.
"Essa rebelião foi o acontecimento revolucionário mais importante do século XX, por que não se deveu a uma camada restrita da população, como trabalhadores ou minorias, mas a uma insurreição popular que superou barreiras étnicas, culturais, de idade e de classe." Toda esfera burguesa mundial foi extremamente abalada por esse momento. Uma grande demonstração desse "abalo" pode ser vista no recente filme francês "A culpa é do Fidel". Quando o avô aristocrata da protagonista tem notícia do falecimento do ex-presidente Charles de Gaulle, a primeira reação dele é: "A França está viúva." (atualizando o raciocínio, o General De Gaulle é um grande inspirador de Sarkozy)

Talvez eu esteja canonizando demais 68, não sei. O que foi obtido no "mês rebelde?" Foi uma legítima sacudida nos valores da "velha sociedade", liberalizou-se os costumes. A divisão mais justa de tarefas entre homens e mulheres vem em primeiro lugar, melhoria educacionais, direitos sindicais, sexualidade, relações entre pais e filhos, os costumes em geral. Tanta batalha, êxito, vitória, modernização dos hábitos e hoje em dia (século XXI), os evangélicos querem acabar com toda a independência e liberdade conquistada. E nesse ponto, quando se começa a avaliar a pós-modernidade e suas conseqüências que começo a simpatizar com Guy Debord e suas idéias de "Sociedade do Espetáculo". Para Debord, "a perversão da vida moderna que prefere a imagem e a representação ao realismo concreto e natural, a aparência ao ser, a ilusão à realidade, é a imobilidade à atividade de pensar e reagir com dinamismo." É à passividade e a aceitação dos valores preestabelecidos pelo capitalismo, a contaminação pelas imagens. Devastadora inversão da noção de valores.
Eis o grande aprendizado com o movimento estudantil: desconfiança da mera adoção de conceitos, batalhas verbais e sua (des) utilização para camuflar pré-conceitos. Aquilo que Godard sintetizou numa só frase: "O homem revolucionário não faz guerras, faz bibliotecas".